O Iluminismo presente nos centros históricos de Lisboa e Vila Real de Santo António

Vista da Praça do Comércio - Lisboa


O que têm em comum as cidades de Lisboa e Vila Real de Santo António? Foram planeadas sob o comando de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal). Ambas surgiram durante o mesmo período, após o grande terramoto de 1755. Lisboa foi a primeira a ser reconstruída seguindo-se Vila Real de Santo António.


Lisboa antes do terramoto de 1755


Pintura de Lisboa - Georgio Braunio

Como se pode verificar pelas imagens de pinturas, a cidade medieval de Lisboa, anterior a 1755, era desorganizada com uma malha sinuosa, construída sem um plano estrutural. O Terreiro do Paço era o único local onde sempre existiu uma tentativa de colocação de ordem e escala. A presença do Torreão de Tércio com cobertura em forma de chapéu e lanternim fazia parte da imagem do antigo Terreiro do Paço.

Planta de Lisboa - João Nunes Tinoco

Pintura de Lisboa - Maillet

Pintura de Lisboa - Louis de Meunier

Maqueta de Lisboa - Ticiano Violante

A maqueta de Lisboa feita pelo maquetista Ticiano Violante retrata a situação da cidade antes do Terramoto de 1755. Permite ver bem em três dimensões todos os pormenores do edificado existente e o tipo de urbanismo.


O terramoto de 1755


Pintura do terramoto de Lisboa

Em 1755 Lisboa foi atingida por um terramoto violento que assolou a cidade medieval. Edifícios destruídos e um casco desfeito arrasaram por completo a urbe. A seguir vieram incêndios potenciados por velas acesas no interior de edifícios que caíram durante o terramoto. A fúria da natureza não ficou por aqui, seguindo-se um tsunami que atingiu não só Lisboa como também o Algarve, nomeadamente a Vila de Santo António de Arenilha, que foi engolida pelas ondas.


Os novos planos de reabilitação de acordo com correntes iluministas


O fenómeno causou impacto em todo o mundo era imperioso tomar decisões e reagir de forma rápida e eficaz. O Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino (equivalente ao cargo de atual primeiro-ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, decide avançar com a missão da recuperação arquitetónica destas urbanizações afetadas por fenómenos naturais. A primeira tarefa foi elaborar o plano de reabilitação de Lisboa, e posteriormente seguiu-se o plano para a Vila Real de Santo António, anterior Vila de Santo António de Arenilha.

Plano de reabilitação de Lisboa - Eugénio dos Santos e Carlos Mardel

O objetivo do homem forte de D. José I não era apenas reconstruir as duas cidades abaladas pelos sismos, mas também renovar e reinventar as principais urbanizações do império com um espírito vanguardista e inovador, através de planos urbanísticos e arquitetónicos sem precedentes.

Os planos de recuperação das duas cidades seguiram princípios iluministas da altura, que consistia em ruas largas, para melhorar a salubridade e no uso de métodos racionais como a malha estrutural geométrica rígida e ortogonal totalmente inovadora bem como a repetição de módulos standard. Ruas largas, alinhadas e quarteirões homogéneos, edifícios com fachadas simples, sóbrias e despojadas a repetirem uma métrica proporcional, fizeram com que Lisboa e Vila Real de Santo António se tornassem nas duas cidades mais modernas do país na altura, tanto em termos urbanísticos como arquitetónicos.

Vista de fachada na Praça do Comércio - Lisboa

O uso do método de repetição foi replicado também nas fachadas. Para além disso foram usadas técnicas de construção anti-sísmicas inovadoras através da gaiola pombalina em madeira e introduzido o inovador método de produção em série para acelerar o processo de construção usando peças standard pré-fabricadas como cantarias, ferragens, guarnições, vãos ou serralharias.

Planta atual - Lisboa

Vista de satélite - Lisboa

A implementação de um novo plano na baixa de Lisboa foi condicionada pela presença de duas colinas que fez com que a forma da malha fosse afunilada na perpendicular em direção à frente ribeirinha. Por outro lado, com um terreno horizontal e livre de colinas, a Vila Real de Santo António estendeu-se de forma mais ampla e de forma paralela à frente ribeirinha.

Foi a primeira vez que o espaço público em Portugal foi pensado e organizado por arquitetos. A baixa pombalina de Lisboa foi projetada pelos arquitetos e engenheiros militares Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, sob coordenação de Manuel da Maia. Elaborado na Casa do Risco, gabinete onde se executavam os desenhos, sendo que nessa altura a arquitetura era de cariz militar.

Plano de reabilitação de Vila Real de Santo António - Reinaldo Manuel dos Santos

Já a baixa pombalina de Vila Real de Santo António projetada pelos arquiteto e engenheiro militar Reinaldo Manuel dos Santos. Enquanto na baixa lisboeta a praça principal (Praça do Comércio) é aberta para o rio replicando o anterior Terreiro do Paço, por outro lado na baixa algarvia a praça principal (Praça Marquês de Pombal) é mais discreta e de escala menor ficando confinada por quatro fachadas.

As ruas sinuosas e a malha orgânica da era medieval é substituída por uma malha rectangular racional. Os embasamentos dos edifícios deixam de ter o aspecto rude de fortificação militar e passam a ter arcadas com pé direito duplo. O primeiro piso possui janelas de sacada e pequenas varandas e o segundo piso janelas de peito. A lógica era a diminuição de altura progressiva à medida que se sobe nos pisos.

O desenho vencedor do plano de reconstrução para Lisboa apresenta um grafismo curioso onde a representação a amarelo indica os edifícios que se propõem construir. O oposto às regras de representação convencionais nos dias de hoje onde o amarelo representa precisamente aquilo que se vai demolir.

Vista de satélite - Vila Real de Santo António

Planta atual - Vila Real de Santo António


Os torreões da Praça do Comércio


A presença do Torreão de Tércio com cobertura em forma de chapéu e lanternim, que fazia parte da imagem de marca do antigo Terreiro do Paço, no novo plano pós-terramoto 1755 dá lugar a dois torreões simétricos mas de estilo chão, sóbrios e sem chapéu.

Vista de torreão - Praça do Comércio


As várias vidas da Praça do Comércio


Praça do Comércio - pintura com árvores

A Praça do Comércio teve vários usos ao longo do tempo desde que surgiu, após o terramoto de 1755. Começou por ter árvores bastante úteis para garantir sombras durante o verão. Com a chegada da massificação do automóvel passou a servir de parque de estacionamento. Posteriormente a praça foi devolvida aos peões e cortada ao trânsito nas duas alas laterais com um novo desenho de pavimento em malha de xadrez em tom claro.

Praça do Comércio - vista aéra com parque estacionamento

Praça do Comércio - vista aéra com redesenho de pavimento

Praça do Comércio - vista aéra com redesenho de pavimento

A Praça Marquês de Pombal em Vila Real de Santo António é a única que continua rodeada por árvores. A urbanização em Vila Real de Santo António também é a única que tem o pavimento de ruas e praças em material destinado aos peões, enquanto a baixa pombalina lisboeta apenas conta com a Rua Augusta e diversas transversais destinadas exclusivamente a peões, o que é uma pena já que a praça monumental merecia que fosse toda pavimentada para peões como acontece em grandes praças históricas europeias.

Vista aérea - Vila Real de Santo António

Praça Marquês de Pombal - Vila Real de Santo António

Arco do Triunfo da Rua Augusta - Vítor Bastos

O Arco do triunfo da Rua Augusta da baixa pombalina lisboeta define um eixo de simetria na Praça do Comércio. É da autoria do escultor Vítor Bastos que esculpiu as estátuas de Viriato, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira e Marquês de Pombal ladeadas pelas representações alegóricas dos rios Tejo e Douro, todas em pedra branca.

Estátua equestre de D. José I - Machado de Castro

Nesse mesmo eixo imaginário situa-se ao centro da Praça a estátua equestre de D. José I em cobre, da autoria do escultor Joaquim Machado de Castro. Foi a primeira estátua equestre realizada em Portugal e o primeiro monumento escultórico na via pública dedicado a uma pessoa viva, com a sua fundição feita a um só jacto de cobre.


A Praça de São Marcos


Vista aérea da Praça de S. Marcos

É muito provável que a Praça do Comércio tenha tido influência no desenho da Praça de São Marcos em Itália.


Uma nova vida para a baixa?


Galeria Vitor Emanuel

Algumas das artérias principais destas duas cidades iluministas podiam ser repensadas com a introdução de uma cobertura em vidro e ferro, como acontece na galeria Vitor Emanuel em Itália, permitindo que as pessoas percorram o espaço abrigadas das intempéries.

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